Relato de sustentabilidade, um instrumento de gestão

A atividade de geração e distribuição de energia envolve o relacionamento com uma série de stakeholders. Como conciliar os interesses de comunidades locais, governos, investidores e meio ambiente operando um negócio de alta complexidade?

O diálogo e a transparência tem se mostrado como caminho. Esses são os princípios norteadores do relato de sustentabilidade, que se tornou uma prática consolidada no setor de energia, tanto que é representativa a participação de empresas do segmento em iniciativas como GRI – Global Reporting Initiative, ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial e CDP – Carbon Disclosure Project, para citar alguns exemplos de indicadores relacionados a aspectos ambientais, sociais e de governança.

A Resolução n° 444, da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), de 2001, foi determinante para a forte adesão a essa prática por parte das empresas geradoras e distribuidoras de energia. Essa resolução institui o Manual de Contabilidade do Serviço Público de Energia Elétrica, que estabelece a elaboração do relatório, incluindo aspectos ambientais, sociais e de governança, obedecendo aos critérios de relevância, veracidade, clareza, comparabilidade, regularidade e verificabilidade. Essa medida se apoia no fato de que o setor elétrico exerce uma atividade de caráter público por meio de concessão, por isso sua gestão deve seguir os princípios da Responsabilidade Social Corporativa.

Nesta entrevista com Glaucia Térreo, diretora executiva da GRI – Global Reporting Initiative no Brasil, destacamos os principais aprendizados proporcionados pela prática de relato de sustentabilidade e também as áreas em que ainda é preciso avançar.

Como se iniciou a prática de relato de sustentabilidade no setor elétrico?

O setor elétrico testemunhou e participou ativamente dos primórdios do movimento de Responsabilidade Social Corporativa no Brasil, pautado em grande parte pela prática de relato de sustentabilidade. Esse exercício de relato se apoiou inicialmente no Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, que em 1997 lançou um padrão de balanço social com o intuito de tornar pública a responsabilidade social empresarial. Empresas como a Companhia Energética de Brasília (CEB) e a Light figuram entre as primeiras a publicar seu balanço social em 1997. É este também o ano de fundação da GRI – Global Reporting Initiative, que alguns anos mais tarde se difundiria também no Brasil. Já no início dos anos 2000, a Resolução da Aneel estabeleceu a obrigatoriedade de relatar informações de caráter socioambiental e teve papel fundamental para difundir o diálogo e a transparência como pilares de gestão. Foi também no ano 2000, que foram lançados os Indicadores Ethos, que serviram para materializar o conceito e práticas de responsabilidade social empresarial (RSE). Já em meados dos anos 2000, Ibase e Ethos começaram a confluir com as normas internacionais para relato de sustentabilidade da GRI, cujo padrão foi recomendado no texto final da Rio + 20, que destacou o relato de sustentabilidade como importante vetor para promover uma economia sustentável e inclusiva.

Quais os principais aprendizados proporcionados por essa prática?

O setor elétrico no Brasil representa um caso bem sucedido em que a prática de relato de sustentabilidade foi amplamente difundida, promovendo não só mudanças no âmbito individual da gestão das companhias, mas nas práticas do setor. Desse modo, já não é admissível que uma empresa desse segmento não divulgue informações ambientais, sociais e de governança, considerando a natureza do negócio que se dá por meio de uma concessão pública e a relevância dessas questões para atividade de geração e distribuição de energia. A prática consistente de diálogo e transparência também proporcionou um amadurecimento na gestão corporativa do setor, a partir da consideração de visões de um maior rol de partes consultadas para além dos muros da empresa.

Onde ainda é preciso avançar?

No entanto, é preciso avançar na prática de diálogo e transparência para além de uma postura protocolar – ou seja apenas para atender a demanda de stakeholders como governos, agências reguladores e investidores – para transformar efetivamente as práticas de gestão, integrando questões ambientais, sociais e de governança na tomada de decisão. Isso requer primeiramente equilíbrio das informações divulgadas, ou seja, não só em relação aos aspectos positivos das atividades empresariais.

Quais são os principais desafios para efetiva integração de questões ambientais, sociais e de governança na tomada de decisão do setor elétrico?

A atividade de geração e distribuição de energia depende fundamentalmente de planejamento estratégico de longo prazo em âmbito nacional, tarefa essa em que o papel do Estado é imprescindível devido à necessidade de uma ação coordenada entre diferentes setores. Vivemos um momento desafiador nesse aspecto, devido a alta instabilidade no ambiente político e regulatório. Soma-se a isso o maior grau de incerteza e imprevisibilidade que as atividades do setor estarão sujeitas a partir de riscos como mudanças climáticas, transição tecnológica. Diante desse cenários, a prática de diálogo e transparência a partir da consideração efetiva da consulta às partes interessados no processo decisório pode dar maior resiliência ao negócio. Isso requer um amadurecimento da gestão, capacidade de escutar e mediar conflitos de forma positiva, ou seja, não no sentido de minimizá-los, mas sim de aprofundar a relação e extrair aprendizados deles. Os conflitos representam uma oportunidade de aprofundar a relação com as partes interessadas e extrair aprendizados e apontamentos estratégicos para a gestão. Os questionamentos das comunidades, investidores e sociedade como um todo precisam ser acolhidos, pois esse rol ampliado de visões contribui com a gestão de ricos e oportunidades, proporcionando maior resiliência ao negócio.

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