Artigo – Geração Distribuída 2.0: uma nova aurora

Por Alexandre Lopes e Marco Delgado

 

No início dos anos de 2010, foram discutidos com a sociedade os marcos para a regulamentação do acesso às redes de distribuição pela micro e minigeração. Fruto desse processo, conduzido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foi publicada a Resolução nº 482 de 2012 que, consequentemente, criou o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE).

 

Em breves palavras, o SCEE realiza o encontro de contas mensal entre a energia produzida na unidade consumidora que é injetada na rede e a energia por ela consumida. Se a energia consumida superar a produzida, o consumidor paga pela diferença. Caso a quantidade de energia injetada no mês supere a consumida, o consumidor fica com o crédito financeiro junto à concessionária de distribuição, que pode ser usado em até 60 meses, sem que haja possibilidade de venda do excedente de energia produzida. É sempre bom lembrar que essa Resolução foi a primeira que nasceu com “prazo validade” na Aneel, pois foram criadas condições extremamente favoráveis para superar as imperfeições de mercado que foram identificadas naquela ocasião, como as incertezas e os custos associados à nova tecnologia. Por isso, a revisão foi previamente agendada para o ano de 2019, já tendo sido iniciado esse processo, com a abertura da Consulta Pública da Aneel n.º 10/2018.

 

As distribuidoras têm o compromisso de investir na expansão, na melhoria da qualidade, na modernização e na manutenção de suas redes e serviços. Esses investimentos permitiram receber, até o momento, mais de 60 mil usuários, locais e remotos, no SCEE e garantir a operação elétrica, sem que problemas de implantação fossem percebidos pelos demais consumidores conectados às suas redes. De fato, são as redes elétricas que otimizam e viabilizam permanentemente a compensação de energia durante o dia, as semanas e os meses do ano, ou seja, permitem que esse modelo físico e regulatório funcione. No âmbito regulatório, os custos de disponibilidade cobrados dos optantes desse sistema são uma pequena fração das tarifas de usos dos sistemas de distribuição. Dessa forma, as distribuidoras e demais consumidores tutelaram, conjuntamente com o aparato normativo da Resolução nº 482, o nascimento do modelo de negócio que chamamos de Geração Distribuída 1.0.

 

A experiência internacional tem mostrado em diversos países e regiões (Alemanha, Austrália, Bélgica, Espanha, França, Inglaterra, Itália e Japão, bem como nos estados do Havaí, Nevada e Nova York, nos EUA) a evolução de seus respectivos modelos regulatórios de incentivo à geração distribuidora. Em geral, no início, as políticas eram exclusivamente de incentivo à geração distribuída, que ocorria por meio de tarifas feed-in, ou seja, o preço pago pela energia aos proprietários dos painéis fotovoltaicos era bem superior ao da tarifa de energia elétrica da concessionária local e, consequentemente, mais próximo dos custos da implantação dos equipamentos necessários à geração de energia.

 

Naquela época, esses custos eram bem mais elevados do que nos dias atuais. A significativa redução de custos das fontes renováveis foi fruto de expressivos avanços tecnológicos, dos ganhos de escala e dos imprescindíveis estímulos da competição. Em seguida, observamos sistemas netmetering, que são equivalentes ao nosso SCEE. A Alemanha, um dos países precursores da geração distribuída, vem constantemente aprimorando seu modelo de incentivos. A nova tarifa feed in premium, por exemplo, reflete o preço do mercado spot de energia como parte da remuneração que cabe ao detentor dos novos sistemas fotovoltaicos. O Reino Unido, por sua vez, já implementou um modelo que permite a negociação dos excedentes da geração distribuída no mercado livre através da realização de PPAs (Power Purchase Agreements). É o processo natural de desenvolvimento, que deve ser por nós aprendido, para que seja aperfeiçoado o modelo de incentivos à geração distribuída no Brasil.

 

Coincidentemente, a partir de 2020 há grande expectativa da retomada de abertura do mercado livre de energia elétrica no Brasil. Dessa forma, por exemplo, o desejo de compensar a energia excedente dos usuários do SCEE entre distribuidoras diferentes poderá se viabilizar, mas não mais através de escambo. A oportunidade se revela coerentemente com a maturidade do mercado livre no Brasil. Num cenário de modelo evoluído, espera-se que o excedente de energia elétrica possa ser comercializado com qualquer agente do ambiente de comercialização livre (ACL), a preços de mercado.

 

A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) está em fase de testes do preço da energia em patamares horários, inclusive, coerente com as necessidades do nosso sistema e das manifestações de interesse de diversos empreendedores em geração renovável. A chegada desse ambiente de maior liberdade vem com o necessário cumprimento das responsabilidades integrais por parte dos beneficiados. Por isso, como qualquer consumidor livre, os beneficiados da venda de excedentes já deverão estar pagando, a partir da revisão da REN 482, em 2019, os encargos setoriais, bem como os serviços prestados pelas redes elétricas, por meio das Tarifas do Uso do Sistema de Distribuição.

 

O aprimoramento do atual modelo de subsídios cruzados no SCEE não significará o fim da geração distribuída. Muito pelo contrário, dará a necessária transparência à comercialização dos excedentes de energia da distribuída irá estimular o surgimento de novos modelos de negócios que serão certamente dinamizados, com as possibilidades futuras de acessarem o mercado livre de energia em bases competitivas. A ampliação do mercado livre e outros importantes aprimoramentos do modelo do setor elétrico brasileiro, frutos de um amplo e estruturado debate com a sociedade, estão endereçados nos Substitutivos dos Projetos de Lei 1917/15 e do PLS 232/16, em trâmite do Congresso Nacional.

 

As fontes de geração distribuída vêm se desenvolvendo rapidamente a nível mundial e se tornando cada vez mais eficientes, reduzindo seus custos de implantação. A revolução tecnológica é irreversível e inexorável, e a regulação deve evoluir para dar os sinais adequados para a introdução dessas tecnologias.

 

A possibilidade de comercialização de excedentes gera incentivos aos empreendedores para ampliar os investimentos em geração distribuída, permitindo aos produtores auferir receitas com o adicional de energia gerado, em bases competitivas, sem a dependência de subsídios.

 

Geração Distribuída 2.0: seja bem-vinda! Nos veremos em breve!

 

Alexandre Lopes é diretor da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel)

Marco Delgado é diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee)

Conteúdo Relacionado

40% da conta de luz são encargos e subsídios (Subsídios tarifários têm prazo de validade?)

A conta de luz chega aos consumidores com a marca da concessionária de distribuição de energia local, porém os mais Read more

Artigo – Geração Distribuída 2.0: uma nova aurora

Por Alexandre Lopes e Marco Delgado   No início dos anos de 2010, foram discutidos com a sociedade os marcos Read more

Artigo – Geração distribuída sustentável: vamos aos fatos!

Por Nelson Leite e Marco Delgado   Em meados do século 17, duas correntes filosóficas dialogaram, de fato, debateram sobre Read more

Artigo – A cruzada dos subsídios cruzados!

Por Canal Energia Marco Delgado e Clauber Leite, respectivamnete, diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE), e Read more

Artigo – Geração distribuída sustentável: fatos versus fakes

por Marco Delgado e Ricardo de Pina Martin para o Estadão em 8/5/2019.   Na semana passada um artigo publicado neste veículo Read more