Artigo – A cruzada dos subsídios cruzados!
Por Canal Energia
Marco Delgado e Clauber Leite, respectivamnete, diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE), e especialista em Energia e Sustentabilidade do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC)
A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE) e o Instituto Brasileiro de Defesa dos Consumidores – IDEC recentemente participaram à sociedade carta aberta ao Ministério de Minas e Energia como contribuição para o desenvolvimento sustentável da geração distribuída no Brasil. A recomendação foi pelo redirecionamento do ProGD para as demandas sociais e as de maior benefício ambiental, mas com a ressalva de que subsídios cruzados somente quando necessários, bancados de forma transparente pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e, mesmo assim, com sinal de eficiência.
Por isso, foi com satisfação que vimos o início dessa repercussão na sociedade pelo reconhecimento por representantes dos empreendedores em micro e mini geração distribuída de que há, de fato, subsídio cruzado na atual regra da Resolução Normativa n. 482/12 da ANEEL (REN 482). Isso ocorreu em recente artigo publicado nesse prestigioso veículo. Destaca-se que esse reconhecimento corrobora, também, com manifestações do Diretor relator da revisão da REN 482 e do próprio Diretor Geral da Aneel de que o modelo atual da mencionada Resolução é insustentável no longo prazo.
Entretanto, o autor alegou uma suposta diferenciação entre a geração compartilhada e aquela in loco (nos telhados) no tocante aos subsídios e isso merece esclarecimento.
A geração compartilhada, conforme exemplo do autor, injeta energia normalmente na Média Tensão e paga a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) que, por sua vez, é estabelecida pela ANEEL considerando custos operacionais eficientes, investimentos prudentes e remuneração controlada pela própria Agência. Os créditos dessa energia gerada são compartilhados com os consumidores dessa sociedade que, em sua grande maioria, estão na Baixa Tensão. Como estão distantes da fonte geradora dependem integralmente das redes elétricas para garantir o real fornecimento de energia às suas residências ou estabelecimentos comerciais. Dependem, também, das demais fontes de geração conectadas do sistema elétrico para garantir o suprimento, independentemente de sua geração distribuída estar ou não injetando. Porém, esses beneficiados, conforme atual regra da REN 482, pagam apenas o “consumo mínimo” que é, de notório conhecimento, uma fração da TUSD correspondente ao seu nível de tensão. A diferença entre o que se paga de “consumo mínimo” e o que seria o adequado por meio das TUSD é o que qualifica o subsídio tarifário cruzado, inclusive, aos beneficiados da geração compartilhada. Nesse caso, esses custos não-gerenciáveis são repassados para a tarifa de energia e independem da gestão da empresa distribuidora, que em um primeiro momento arca com esses custos e no momento da revisão tarifária é repassado a todos os consumidores.
O arranjo comercial da geração compartilhada, bem como do autoconsumo remoto, de certa forma, são equivalentes ao modelo do Ambiente de Comercialização Livre. A geração está num lugar fisicamente distinto da carga e o fornecimento elétrico é o mesmo feito pelas distribuidoras que ocorre independente da relação comercial contratual entre gerador e carga. No mercado livre, que já existe a duas décadas, geradores e consumidores pagam a TUSD. Não há dúvida, alegações de injustiça ou algo equivalente. Por isso, a ABRADEE e Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia – ABRACEEL publicaram recentemente um artigo (Geração Distribuída 2.0: Uma Nova Aurora) que apontou que o atual modelo de negócio da GD, baseado em subsídios, tinha cumprido sua missão e o futuro sustentável da GD seria coerente com a retomada da abertura do mercado livre de energia que deve ser segura, cadenciada e, principalmente, isenta de subsídios cruzados, pois oneram injustamente os demais consumidores. Aliás, a atual independência de subsídios foi objeto de outro artigo, dessa vez em coautoria com a Associação Brasileira de Energia Eólica – ABEEÓLICA:A maturidade das fontes renováveis.
A democratização do acesso às fontes renováveis aos consumidores, em nossa opinião, se faz de forma mais equânime e eficiente por meio dos leilões de expansão regulados promovidos pelo governo, conforme o modelo setorial da Lei 10.848. Nesses certames, a sociedade obtém os custos mais baratos pelas fontes renováveis. Ademais, por comporem a tarifa de energia aplicada ao Ambiente de Comercialização Regulada, todos os consumidores podem contribuir para o crescimento da matriz energética limpa em nosso País, independentemente de suas posses e, principalmente, renda. Esse, sem sombra de dúvidas, é o modelo mais democrático e justo.
Os dados da própria Aneel, disponibilizado na Nota Técnica de Análise de Impacto Regulatório da Audiência Pública n. 001/2019 que trata da revisão da REN 482, apontam nesta direção. Basta extrair um pouco mais de informações dos dados desse documento, ou seja, converter os anos de payback (o tempo de retorno do investimento) em Taxa Interna de Retorno (TIR). Esse último indicador é mais o adequado para verificar a viabilidade de um dado investimento e, por isso, menos volátil às hipóteses de benefícios marginais sistêmicos que carecem de evidências quantitativas sólidas. O interessado irá se surpreender, graças aos subsídios cruzados, ao ver que essa TIR supera facilmente os 25% ao ano. Agora, a boa nova: se passarem a pagar pela TUSD correspondente aos serviços das redes elétricas e aos respectivos encargos, essa TIR ainda se manterá acima de 12% ao ano, ou seja, é um investimento muito atrativo! Não obstante, caso algum modelo comercial de negócio de GD não atinja essas graduações é porque sua relação custo-benefício não é favorável em relação aos outros modelos, inclusive dos leilões regulados de expansão e, por isso, não seria razoável ganhar subsídios para se manterem artificialmente no mercado.
Isto posto, podemos afirmar e com satisfação, com base em dados e fatos, que os ganhos de tecnologia, de escala e de competição tornaram a GD sustentável e sem a necessidade de manutenção dos atuais subsídios a benefício de toda a sociedade e “é pra já!”. Seja bem-vinda Geração Distribuída 2.0.”
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