José Alquéres: ‘O futuro é elétrico, eficiente, descentralizado, competitivo e desregulado’

A sustentabilidade deve ser o ponto de partida para se conduzir a evolução da matriz energética brasileira. Essa é a visão de José Luiz Alquéres, engenheiro civil, ex-presidente do conselho da Eletrobras e uma das vozes mais atuantes do setor elétrico. Garantir uma boa gestão das bacias hidrográficas é fundamental para a oferta de energia no futuro, o que significa se envolver nas questões do planejamento territorial e agrícola.

 

Nesse processo de mudança, as redes de distribuição têm um papel fundamental. Segundo Alquéres, as empresas de distribuição devem adotar um modelo de negócio em que a venda de energia fique em segundo plano, sendo oferta de uma rede confiável e capaz de suportar o fluxo em ambas as direções o foco principal da atuação. O consumo próximo do local de geração é uma tendência, o que deve impulsionar a geração distribuída. Mas, para esse novo cenário se tornar realidade, é preciso rever a estrutura tributária e regulatória.

 

Alquéres falou ao canal Energia Sempre Com Você com exclusividade. Confira a entrevista:

 

Como o Brasil deve conduzir a evolução de sua matriz energética, considerando a necessidade de aumentar a presença de matrizes limpas e, ao mesmo tempo, garantir a segurança energética e a estabilidade do sistema?

 

José Luiz Alquéres – O Brasil deve voltar a valorizar seu planejamento energético dentro de uma visão mais abrangente. Isso significa que é preciso considerar, em sua amplitude, toda a questão ambiental da gestão das bacias hidrográficas visando a preservação da água, o que vai implicar em se envolver na gestão territorial e no planejamento das áreas agrícolas.

 

É claro que, neste contexto, a Amazônia tem papel destacado. Na minha visão, nenhuma grande hidrelétrica, nenhum projeto de infraestrutura, como pavimentação de estradas, expansão de áreas agrícolas, mineração etc., deverá ser implantado na região. O valor potencial da Amazônia preservada ao nível atual, ou seja, considerando que 30% ja foram destruídos ou desmatados, é essencial para a preservação e exploração do capital natural do Pais. O Brasil deve resistir a qualquer expansão da ocupação da Amazônia, que tem sido alvo de todo tipo de exploração por quadrilhas ambientais, contrabandistas e políticos.

 

O setor elétrico deve se posicionar à frente desse processo e conquistar um grande respaldo da sociedade, pois teve o melhor planejamento de longo prazo. A nossa matriz hoje pode se beneficiar de uma enorme reconfiguração topológica do sistema de transmissão, com 12 a 15 polos interconectados, em torno dos quais se promova um “ilhamento” do sistema. Esse modelo daria mais robustez e confiabilidade à rede evitando esses monumentais desligamentos em cascata. É claro que nesta configuração cada um desses polos teria o seu modelo ideal de matriz de geração, com mais eólica, mais solar, eventualmente mais nuclear, mais gás natural com especificidades próprias a cada região e menos transporte de longa distância de energia. Fazer a eletricidade percorrer longas distâncias deve ser um recurso de contingência, e não uma solução. A ideia de integrar um pais continental num sistema único é uma concepção ultrapassada pelo aumento do consumo esperado da energia elétrica, pelo custo, pela confiabilidade. O uso da energia deve estar próximo do local de geração, o que impulsiona a penetração da geração distribuída.

 

Qual é o papel das redes de distribuição nesse processo de modernização da matriz energética?

 

José Luiz Alquéres – É um papel fundamental. As empresas de distribuição devem ter como seu negócio, em vez de comercializar energia, a implantação de redes confiáveis e com capacidade para comportar fluxos em ambas as direções, uma consequência do aumento da geração distribuída. Redes inteligentes com usos para eletricidade e dados, tendo ainda em mente que o uso direto do calor vai aumentar muito. Hoje, metade da energia, sob todas as formas, é utilizada nas edificações para iluminação, climatização, cocção etc. Este grande mercado vai aumentar com a eletrificação crescente da vida e com o abastecimento de veículos e outros usos novos alimentados a partir de milhões de pontos de consumo.

 

Os sistemas tributários terão de ser repensados pois hoje oneram o consumidor como se ele tivesse só uma utilização. Mas as pessoas estarão trabalhando em casa, em comércios, serviços ou mesmo indústrias, abastecendo seus veículos etc. Impostos federais passarão a ser captados pelos estados e guerras fiscais poderão ocorrer. Além disso, as redes e a medição poderão, com a maior introdução da eletrônica, atribuir sinais de preço marginais mais realistas e orientar o consumo.

 

Considerando o crescimento de conceitos e tecnologias como o carro elétrico, a internet das coisas, indústria 4.0, entre outros, qual é a importância da energia para a sociedade e para o crescimento econômico do País?

 

José Luiz Alquéres – Essencial. O futuro é elétrico, eficiente, descentralizado, competitivo e desregulado. O órgão regulador é uma burocracia aplicadora de leis ultrapassadas, que configuram um sistema de transferências de subsídios obsoletos que contribui para o atraso e para a pouca competitividade do País. Devemos, todavia, apontar que a lentidão do congresso, da ANP (Agência Nacional do Petróleo) e da Petrobras em evoluírem no marco regulatório do gás natural – mantendo os atuais campos de exploração privativos – é outra aberração e atentado ao bom senso.

 

Um dos problemas para a correta visão da sociedade é esta profusão de representações e associações setoriais por fontes ou por pedaços de negócios que compõem o sistema elétrico, cada uma querendo otimizar a sua parte do negócio. Vivemos numa competição de lobistas que desconsideram o caráter sistêmico do setor elétrico, sendo que o correto seria otimizar o sistema a partir de uma visão abrangente e então apontar os campos para competição das empresas e das tecnologias. Não na sua capacidade de fazer lobby, de conseguir uma “tarifazinha” boa aqui ou acolá.

 

Como fazer para se obter isso? Com conhecimento forte no setor público: inteligência, tecnologia e planejamento. E operação ética e competitiva. Assim o espaço das empresas fornecedoras de bens, serviços e das concessionárias de serviço público seria o da competição e não o da busca de privilégios às custas de uns setores frente aos outros, e todos às custas dos consumidores.

 

Evidentemente há espaço para associações de qualidade como a Abradee, que divulga benchmarks, promove competições visando a eficiência, a boa gestão, as boas práticas e bons estudos. Isso é muito diferente de lobistas que só circulam em corredores de Brasília a advogar administrativamente por seus clientes em troca de apoio para campanhas políticas ou para a criação de “bancadas parlamentares suprapartidárias”.

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