Quando a ideologia a autotutela se sobrepõem à razão

Marcos Madureira, presidente da ABRADEE, para a Folha de São Paulo em 9/1/2020.

A discussão sobre o desenvolvimento da geração distribuída (GD) no Brasil tem saído do campo técnico e econômico para cair na irracionalidade, onde se assiste a um festival de fake news para ofuscar estudos de instituições competentes e responsáveis e dar ênfase a meros palpites —e, em alguns casos, com interesses de autotutela.

Importante destacar que, através das redes de distribuição de energia, todos os consumidores brasileiros têm acesso a uma energia confiável e com fontes renováveis como hídrica, eólica, solar e biomassa, que constitui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo.

A geração distribuída é um dos recursos energéticos distribuídos que estão se integrando a esse grande sistema nacional. Por isso, foram criados, na resolução nº 482 da Aneel, em 2012, condições especiais de incentivo para essa nova modalidade, que resultam em subsídio para todas as formas de geração distribuída, locais (geração no telhado) e remotas (fazendas solares).

O setor da GD cresceu de forma vertiginosa, principalmente por dois motivos: redução de preços dos equipamentos e da instalação (mais de 75% nos últimos sete anos) e dos subsídios pelo não pagamento do uso das redes elétricas para suportar a instalação dos sistemas e armazenar a energia gerada, além de não pagar pelos encargos que existem nas tarifas de usos das redes e que são pagas por todos os demais usuários (hoje já somam R$ 900 milhões por ano).

Todos os sistemas de geração distribuída necessitam das redes elétricas para se implantar, funcionar e armazenar a energia excedente para uso futuro. Sem elas, seus custos seriam dez vezes maiores.

Negar esse fato é desconhecer o assunto ou desprezar a boa-fé para ludibriar a sociedade, em especial aqueles que são responsáveis por estabelecer leis e normas no país.

Que interesse oculto existe nas distribuidoras de energia para querer barrar o crescimento da GD? Nenhum! Pela própria lei 10.848, as distribuidoras não podem gerar energia e, portanto, não são concorrentes de nenhuma forma de geração. Investimos anualmente mais de R$ 16 bilhões na expansão da infraestrutura e na melhoria da qualidade dos serviços a todos os usuários das redes elétricas, sejam eles do mercado livre, do mercado regulado e, agora, do mercado consumidor.

O interesse claro das distribuidoras é que não seja onerada a tarifa de energia elétrica de 83 milhões de consumidores do mercado regulado, e mesmo do mercado livre, com mais encargos e subsídios, que hoje já representam mais de 10% das tarifas. Isso aumenta o custo Brasil —e, pior, é um subsídio desnecessário e injusto, pois beneficia apenas 600 mil pessoas, além de restringir a capacidade de inovação, pois quem vende esse modelo de negócio não pensa em outra coisa senão mantê-lo.

Ainda em relação a subsídios, vale lembrar os versos da música “Vozes da Seca”, entoados pelo grande Luiz Gonzaga, eivados de sabedoria: “Mas doutô uma esmola a um homem qui é são / ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

Leia o artigo original aqui.

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