Artigo – Geração Distribuída 2.0: somos todos a favor!

por Marco Delgado e Alexei Macorin Vivan para o Estadão em 6/6/2019

 

 

A professora de ética da Universidade de Minnesota (EUA) Jane Kirtley, em recente palestra no Brasil, mencionou que o conhecimento de história, filosofia e sociologia ajudam no desenvolvimento do pensamento crítico. Isso, segundo ela, é o principal instrumento para discernir entre fakes news e fatos. Os primeiros ensaios do tenro pensamento associativo e reflexivo iniciam-se a partir do primeiro septênio da vida humana, tendo a “dúvida” como companheira na trilha evolutiva. Por isso, uma criança ao término de sua primeira infância abre a chamada fase “dos porquês”. Ela poderia associar que o intemperismo sofrido pelas pedras resulta em areias. Dessas, são selecionadas a sílica de alta qualidade, sendo uma das fontes do silício (“pedra dura” em latim) que é importante matéria-prima das placas fotovoltaicas. É isso mesmo, a geração fotovoltaica depende de pedras! Por isso, simplesmente citar a antiga e conhecida frase “a idade da pedra não terminou por falta de pedras” não traz novos elementos ao contexto. Deve-se ir um pouco além e estimular novas reflexões e ideias.

 

No tocante a Micro e Mini Geração Distribuída (MMGD), pode-se afirmar que o Sistema Elétrico Brasileiro (SEB) é essencial para garantir o suprimento de energia aos seus beneficiados. Retomemos a parábola daquela criança indagadora. Nesse conto, ela poderia questionar seus pais se terão energia à noite ao instalarem painéis fotovoltaicos em sua residência, pois ainda não se sente segura na escuridão noturna. Seus responsáveis pais irão acalentá-la e com zelo explicarão que à noite, bem como nos dias chuvosos e nublados, a energia será gerada pelas usinas hidrelétricas, térmicas, eólicas, etc e chegará até casa deles pelas redes elétricas. Por isso, continuarão conectados da rede da distribuidora de energia local. Por fim, certamente diriam: “Fique tranquilo, pois estamos todos juntos para o bem comum, para o seu bem”.
Por isso, é incompreensível os motivos daqueles que apregoam que o atual SEB não atende aos consumidores e, pior, relutam em reconhecer que esse sistema é um grande parceiro da MMGD, pois viabiliza sua operação técnica e comercial, estabelecido no Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) da Resolução Normativa da Aneel n.º 482/12 (REN 482/12). Sem as redes e instalações do SEB, o atual modelo de negócio da MMGD simplesmente não funcionaria.
De fato, a tarifa de energia elétrica no Brasil não é barata, mas é uma das mais caras do mundo? Segundo estudos com base no último relatório disponível da Agencia Internacional de Energia, a tarifa brasileira está na posição mediana, estando na 16.ª colocada entre 33 países. Cabe salientar que dentre esses países, o Brasil é o 4.º maior em carga de tributos e encargos sobre as atividades de geração, transmissão e distribuição. Ou seja, mais de 40% da tarifa de energia elétrica cobrada dos consumidores é para arrecadação tributária aos governos federal e estaduais, bem como para bancar os subsídios estabelecidos por políticas públicas. Assim, tão importante quanto racionalizar os subsídios atuais é evitar que novos cresçam de forma injustificada.
Além da evolução humana, devemos observar a evolução tecnológica, bem como dos modelos de negócio. O economista Joseph Schumpeter, na década de 1940, estabeleceu a teoria da eficiência econômica seletiva ao observar que os ciclos de inovação são, em média, decenais. Nesse contexto, empresas instaladoras de painéis fotovoltaicos fortemente dependentes de subsídio tarifário implícito para manterem seus negócios tendem a desaparecer do mercado. A inércia não é exclusiva a quem está acostumado com subsídios. Acometeu, também, grupos empresariais de geração, de transmissão e de distribuição, bem como outros grupos em diversos setores da economia. Por isso, inovar é fundamental, inclusive em relação ao atual modelo de negócio da MMGD, que outrora foi chamada de Geração Distribuída 1.0.
Entretanto, a despeito dessa autocrítica, há recorrente tentativa de criar um ambiente de sectarismo entre os agentes empreendedores do SEB e os investidores em empreendimentos de geração distribuída. Lançam indagações tenebrosas, objetivando semear inquietudes para formar nuvens conspiratórias, num estilo ficcional que nada contribui para o desenvolvimento da MMGD. Nada mais démodé do que apelar ao sensacionalismo, insuflar o emocional e sombrear o racional. O debate deve ser pautado com base em fatos e dados.
Na verdade, há um grupo de associações representativas que se dedicaram a analisar fatos e dados e concluíram que as políticas de incentivos às fontes renováveis, inclusive à MMGD, foram bem-sucedidas e cumpriram sua missão. Isso é uma boa notícia para toda a sociedade. Os próprios representantes dos instaladores de placas fotovoltaica alegam uma redução de até 95% na conta de energia com implantação da MMGD e o uso do SCEE da REN 482/12. Contudo, qual a origem dessa benesse? De fato, uma combinação de redução de custos dos sistemas fotovoltaicos no decorrer dos anos e da manutenção de subsídio cruzado que é pago pelas distribuidoras e pelos demais consumidores de energia elétrica, por efeito do aumento de suas tarifas. Isso foi ratificado e quantificado na Nota Técnica n.º 005/2019 da Superintendência de Gestão Tarifária da Aneel.
Contudo, o que aconteceria se os beneficiados do SCEE passassem a pagar adequadamente pela utilização que fazem dos serviços prestados pelas redes elétricas? A economia seria da ordem de 60% a 50%, ou seja, ainda bastante convidativa, de modo a que a taxa de atratividade manter-se-ia acima de 12% ao ano. Muito melhor do que a poupança e equivalente à remuneração obtida pelos empreendedores do SEB. Por isso, temos tranquilidade em afirmar: não há o que se falar em interromper o crescimento da MMGD e, muito menos, estagnar seu mercado. Isso não tem lastro quantitativo, mas apenas retórico. Manter intacta a atual regra da REN 482/12, como alguns desejam, é remunerar a menor os serviços prestados pelas redes elétricas e, pior, é continuar a transferência injustificada e injusta de recursos econômicos a benefício de alguns, em detrimento da grande maioria dos demais consumidores.
Nesse grupo de entidades que se dedicaram ao tema, estão as dos empreendedores do SEB em fontes alternativas, geração hidrelétrica, transmissão, distribuição de maior e menor porte, bem como dos agentes de comercialização de energia elétrica, que defendem a abertura do mercado livre de forma responsável e sem subsídios. No mesmo grupo está expressiva representação de consumidores, tanto os de grande porte, quanto dos demais consumidores de energia elétrica. Ou seja, um rol de entidades que pode representar, em bom termo, a visão da sociedade e não somente de um segmento de mercado.
Em síntese, todos são a favor do crescimento da MMGD. A diferença reside nos que defendem um modelo de negócio sustentável para seu crescimento e aqueles que preferem retardá-lo, lutando para manter o atual modelo de negócio insustentável no longo prazo, como acertadamente dito, recentemente, pelo diretor-geral da Aneel e pelo diretor-relator da revisão da REN 482/12. É contraditório evocar a vinda do novo dependendo de velhas práticas. Nossos votos são para que o novo e, por isso, damos as boas-vindas à Geração Distribuída 2.0, para que cresça de forma séria, responsável, livre de subsídios e a benefício de toda a sociedade.
A propósito, provavelmente, após a publicação desse artigo, o leitor que está acompanhando essa discussão verá um novo artigo da outra parte, o que é saudável ao debate, desde que não vise a lacrar a última palavra sobre o assunto, a todo custo. Nossa respeitosa dica ao leitor interessado: tenha você a última palavra! Visite o site da Aneel e, se possível, dedique algum tempo para analisar os dados, os fatos e ler as principais contribuições enviadas para a Audiência Pública n.º 001/2019, em especial as contribuições do Ministério da Economia.
Torne-se, de fato, o protagonista da sua opinião!
*Marco Delgado, diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) e doutor em planejamento energético e Alexei Macorin Vivan, diretor-presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE) e advogado especializado em energia elétrica
Leia o artigo original aqui

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