A sociedade do espetáculo IV: queimaduras solares

Marco Delgado para o Estadão em 16/1/2020.

Chegamos ao quarto artigo da série “A sociedade do espetáculo no setor elétrico” num momento de inflexão da opinião pública sobre os prós e contras da atual regra de incentivo à geração distribuída (GD). As nuvens do discurso fácil, ou melhor, de hashtags começam a se dissipar e todos, agora, querem compreender quanto custará essa conta, se ainda é necessária e, por fim, quem a pagará.

Entretanto, lideranças dos instaladores e empreendedores de GD repetem a mesma toada ao tentar manter às sombras os subsídios, bradar por tenros benefícios à sociedade como justificativa para continuarem isentos de pagar pelos serviços que lhe são prestados pelas redes elétricas e demais fontes de energia e, ainda, criar um inimigo imaginário para ofuscar o cerne dessa questão. A estrutura desse tipo de estratégia foi rascunhada no século XIX pelo filósofo prussiano Arthur Schopenhauer em “Dialética Erística” que, em apertada síntese, visa ganhar um debate a qualquer custo, inclusive, ao arrepio da boa-fé.

Por exemplo, todos sabemos que os Impostos são estabelecidos na Constituição Federal. A cobrança é devida independentemente de uma efetiva prestação de serviço público. Diferentemente do que vem sendo espalhado, o que a Aneel está propondo é aplicar, paulatinamente, as componentes da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD). Esse é o tipo de tarifação aplicado aos consumidores do mercado livre de energia e que pode ser adaptado para GD. Os consumidores livres usam as redes elétricas e as demais fontes de geração do sistema interligado como os demais consumidores do ambiente regulado. Entretanto, negociam diretamente o preço da parcela da compra de energia com comercializadores e geradores. Por isso, é falacioso propagar a intenção de criar “Imposto sobre Transações Energéticas” com a aplicação da TUSD.

Especificamente sobre GD, vimos nos últimos 7 anos que os ganhos de escala, de tecnologia e de competitividade reduziram os custos das placas fotovoltaicas e demais equipamentos em mais de 75%. É o melhor, a tendência é continuar caindo, pelo menos 30% nos próximos anos. Por isso, a modernização da norma da Aneel não interromperá ou inviabilizará novos empreendimentos. É isso que se vê nas profícuas experiências internacionais como na Alemanha, na Inglaterra e em outros países..

Do ponto de vista dos benefícios adicionais, como matriz energética limpa e geração de empregos, é sempre bom lembrar que as distribuidoras já contrataram, via leilões públicos, mais de 15 GW de fontes eólicas e solares na última década. Somente em 2019, foram contratados quase 2 GW daquelas fontes a preços inferiores a R$ 100/MWh, ou seja, 80% mais barato do que continuar a obrigar as distribuidoras a adquirirem a energia excedente da GD. Dessa forma, todos os consumidores, independentemente de suas posses e rendas, podem contribuir para a ampliação da matriz energética com fontes renováveis e, ainda, de forma mais econômica para o país.

A Aneel ao propor a redução paulatina dos subsídios pela aplicação da TUSD está, de fato, quebrando o ciclo vicioso da “espiral da morte”, pois cobrar adequadamente dos beneficiados da GD pelos serviços que as redes elétricas lhe prestam estará afastando aumentos desnecessários e injustos nas tarifas dos demais consumidores e, atuando, de fato para o interesse público.

Ademais, não é somente a Agência que chega nessas conclusões com base em estudos técnicos e econômicos. Podemos citar o Ministério da Economia, a Consultoria Legislativa do Senado Federal, a Empresa de Pesquisa Energética, o Tribunal de Contas da União, bem como diversos especialistas de universidades brasileiras. A propósito, qualquer pessoa que se dedicar um pouco em analisar dados e fatos, certamente, chegará às mesmas conclusões.

Há um esforço muito grande para a redução de subsídios nas tarifas que beneficiam alguns em detrimento da grande maioria de consumidores. Por isso, apoiamos o Decreto Presidencial n. 9.642/18 juntamente com diversas entidades de consumidores, pois tão importante quanto reduzir subsídios existentes é evitar que outros sejam encruados nas tarifas.

Em síntese, os defensores desse modelo perverso de subsídio tentam a todo custo amordaçar a verdade, açoitar a razão e chamuscar estudos que contradizem suas intenções. Aliás, não seria a primeira vez na história que livros seriam queimados para impor outras “verdades”… mas voltemos à pauta propositiva.

No final do ano passado, submetemos ao Ministério de Minas e Energia a proposta de criação do Marco Regulatório do Prosumidor (GD 2.0). Uma proposta de futuro sustentável e coerente com a abertura do mercado livre de energia a benefício de todos, inclusive para consumidores de menor renda. Por outro lado, e na contramão da inovação, há dezenas de projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que têm, em comum, a manutenção do velho pela postergação de subsídios ineficientes que serão pagos pelos demais consumidores. Por isso, como indaguei no artigo “Sol à pino, subsídios às sombras”, repiso: Qual é a proposta das lideranças dos empreendedores da geração distribuída para o crescimento e o desenvolvimento sustentável desse modelo de negócio, sem subsídios desnecessários e injustos?

*Marco Delgado, diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee)

Leia o artigo original aqui

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